ERA UMA VEZ O CINEMA


Dias de Ira (1943)

cover Dias de Ira

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País: Dinamarca, 110 minutos

Título Original: Vredens Dag

Diretor(s): Carl Theodor Dreyer

Gênero(s): Drama, História

Legendas: Português,Inglês, Espanhol

Tipo de Mídia: Cópia Digital

Tela: 16:9 Widescreen

Resolução: 1280 x 720, 1920 x 1080

Avaliação (IMDb):
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8.2/10 (8417 votos)

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Sinopse: Nove de abril de 1940. Como parte da Operação Weserübung, as tropas alemãs invadiram a Dinamarca a partir do porto de Copenhague. Em duas horas, o rei Christian X e sua base de governo assinaram a colaboração com os nazistas, e estabeleceram um acordo diplomático que deixava ao governo dinamarquês sua supremacia e governabilidade, fator decisivo para a permanência dos judeus no país durante a ocupação (1940 – 1945).

Três anos depois, um filme dinamarquês viria incomodar as relações entre os dois países, evento que culminou com o exílio do cineasta Carl Theodor Dreyer, diretor de Dias de Ira (1943), obra que faz alusões à ocupação nazista. Em seu exílio na Suécia, Dreyer permaneceria até o fim da Segunda Guerra Mundial.

O drama teatral é simples: um pastor casa-se com uma mulher muito mais jovem que ele. O filho de seu casamento anterior, chega à casa depois de uma viagem. Inevitavelmente, o jovem apaixona-se pela madrasta, no que é prontamente correspondido. A matriarca, mãe do pastor Absalon, percebe o amor proibido e o ódio pela nora aumenta ainda mais, tendo seu clímax no momento em que denuncia a adúltera para o clero, afirmando que a nora é uma bruxa que se comunica com os mortos e pode sugerir a morte de alguém. Paralela à história principal, a execução de uma ré acusada de bruxaria e a morte de um pastor fecham dramaticamente o espaço cênico e histórico escolhidos pelo cineasta.

A verossimilhança com a qual Dreyer plasma a realidade da Inquisição é quase inacreditável, especialmente no tocante à fotografia, que traz para a tela, a atmosfera de um quadro de Rembrandt. Em uma sequência inesquecível, a câmera varre em panorâmica semicircular o sala do “interrogatório”, mostrando-nos os clérigos em crescente atenção pela tortura da velha senhora acusada. Parece-nos que as personagens da pintura flamenca do século XVII saíram das molduras e ganharam vida em tela grande. O forte contraste entre as vestes pretas e os colarinhos brancos bordados, o uso da luz focal no rosto dos protagonistas, o escurecimento dos “espaços mortos” ou a delicada profundidade de campo mostram a proximidade da composição plástica de Dreyer com a da organização espacial e cromática (guardadas as devidas proporções para o P&B) de Rembrandt. Em cenas muito raras e todas em tomadas externas, a ambientação plenamente iluminada, já mais para Veemer, compõe o retângulo da tela por um breve momento.

A decupagem interna de Dias de Ira, vinda das artes plásticas, é responsável por um choque no uso de planos e movimentos de câmera, e ainda, pela incômoda lentidão da narrativa. É lícito, portanto, afirmar que Dreyer tropeça no tempo, mas ganha em estruturação do espaço e conteúdo da obra, além da sustentação do drama. Essa disparidade não retira a força nem a beleza de Dias de Ira, que à época, foi muitíssimo mal recebido. A salvação crítica veio em 1947, em um texto de André Bazin que traz à tona o verdadeiro valor dessa obra única do cinema nórdico e mundial.

O contexto religioso, composto pela profecia do “dia da ira de Deus” e por um pretenso racionalismo, é puramente baseado na filosofia de Sören Kierkegaard (também dinamarquês), à qual Dreyer voltaria em A Palavra (1955)³. Em Dias de Ira, não apenas a angústia do indivíduo frente à onipotência de um divino sempre em silêncio é retratada mas também o uso da fé para exterminar o mal, de um modo que em qualquer outra situação seria um crime, mas ao se tratar de uma realização cristã de purificação da alma, alcança patamar de ação santificadora. Kierkegaard traz em Temor e Tremor (1843).

Essa dualidade entre o sacrifício em nome de Deus e o delito em nome dos homens, parece estreitar-se em cada linha dos diálogos pronunciados sempre em voz baixa e com uma contenção simplesmente aterradora. Acima de tudo, Dias de Ira é um filme sacro-poeticamente brutal.

Todo o conteúdo da obra parece dar-se em território sagrado, tal a precisão do cenário clerical, dos corredores assombrosos da capela, da atitude rígida e nada afetada das personagens. A única oposição a esse todo enxuto é a segunda sequência do filme, na casa da primeira bruxa denunciada. Um pouco de Diego Velázquez em seu período sevilhano faz-se presente aí, com a lareira ardendo, os planos divididos entre objetos e pessoas, a exposição do cotidiano até então despreocupado: um instantâneo da vida simples. Depois, entre a pompa e a limpa simplicidade monástica, o filme retratará, sob forte luz, a vida do pastor e sua família.

A wagneriana música de Poul Schierbeck ao lado da economia e presteza no uso do som (Dreyer vem do cinema mudo, daí o seu requinte em usar ruídos e dar calculado volume às vozes), finalizam muitíssimo bem o produto fílmico. Não falta nada, nem aos olhos, nem aos ouvidos.

 

Elenco: